1º Ato: Um casamento chega ao
fim, deixando uma criança como expressão maior do amor que um dia uniu corpos e
gerou carne; investida, pela via da palavra, de afetos a humanizar o filhote do
humano e introduzi-lo numa narrativa enriquecida pela diferença de lugares na
enunciação de um pai e de uma mãe. Os desafetos e rancores arrastam a criança
para o centro de uma disputa litigiosa. “O que Deus uniu”, em carne, não faz
parte do espólio sentimental do casal conjugal.
2º Ato: No tribunal, cabe ao
magistrado a tarefa de arbitrar sobre os restos de amor, desembrulhando
ressentimentos e preservando o direito inalienável da menor em sua incapacidade
subjetiva de manter-se indivisível ante o desenlace conjugal conturbado dos
pais. Do magistrado se espera coragem ao tratar objetivamente questões
embebidas de subjetividade. O amparo das leis da Polis e a convicção ética do
dever em preservar o melhor interesse da criança são as balizas a pavimentar o
percurso célere e atento ao longo de um processo que se espera curto.
3º Ato: O tempo da justiça ao não
perseguir o tempo da infância produz angústia, esse momento de suspensão entre
o que foi e o que ainda não é; podendo esse angustiante instante se cristalizar
ao esbarrar na demissão dos adultos em zelar pelos mais jovens - quando um dos
genitores apresenta à criança, em discursos e atos repetitivos,
desqualificações sobre o outro genitor, estamos diante da alienação parental. Nesse
momento, cabe ao magistrado honrar a toga e a simbologia investida pelo social
na expectativa da produção de um ato capaz de barrar o desarranjo emocional do
genitor alienador, evitando a tragédia como destino subjetivo da criança ao
apontar o drama como condição de nossa humanidade. A magistratura numa democracia
não comporta omissões.
Quando a narrativa cristã prega
“o que Deus uniu em carne o homem não separa”, são dos filhos, encarnados como
graça, de que se trata. Sagrada é a família parental. O magistrado ao guardar a
criança do sacrifício imposto pelo genitor alienador cumpre a lei e testemunha
que “milagres são coincidências silenciosas de Deus”.
Claudio Carvalho – Psicanalista,
analista-membro e vice-presidente da Associação de Psicanálise da Bahia – APBa,
autor do livro O Educador e o Psicanalista: Um Diálogo do Cotidiano e articulista-colaborador
de A Tarde.
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