sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

UM ANÔNIMO NA MULTIDÃO

As declarações do delegado de polícia sobre o jovem que teria acendido o rojão que vitimou Santiago Andrade, cinegrafista da TV Bandeirantes, como calmo e tranquilo, reproduz uma questão inquietante: como pode uma pessoa calma e tranquila se transformar em um sujeito violento ao fazer parte da multidão? Talvez a ansiedade por reconhecimento, próprio do sujeito moderno, nos esclareça um pouco dessa conduta “transformista”.Com a intensificação da vida urbana, a incerteza do ser e do querer também se intensificaram, aumentando a angústia e o medo de nos perdermos como mais um na multidão a passar despercebido. Somos uma sociedade narcisista, não por contemplarmos embasbacados a própria imagem no espelho, mas por sermos reféns do nosso medo da falta de reconhecimento no olhar dos semelhantes, a nos emprestar alguma imaginária dignidade subjetiva. Somos narcisistas por sermos adictos do olhar do outro.A sociedade de massas tem essa propriedade de nos convidar a compartilhar um consenso para nos sentirmos integrados. A forma de nos servirmos desse re-pasto é a submissão a uma conformidade bovina ao aderirmos a narrativas prêt-à-porter, assim como nos engajamos na moda, nos gostos e nas atitudes “da média” – generosamente ofertadas pela mídia. O sacrifício do pensamento autônomo, do questionamento e da capacidade de fazer objeção são efeitos colaterais da pressa de nos desvencilharmos do que nos define como humanos: a dúvida. Durante uma análise, o analisando vai invocar uma multidão de personagens a quem ele vai atribuir significações acerca do seu padecimento neurótico, excluindo-se; como um anônimo na multidão. Para a psicanálise, a realidade psíquica é uma realidade narrativa e o que se pode esperar de uma terapia é que o paciente inclua-se como protagonista, reconhecendo e se implicando subjetivamente na narrativa de sua história ao interrogar-se sobre o enigma frente ao seu desejo. Suportar a solidão das inquietações da intimidade não proporciona o conforto imediato de pertencimento ao rebanho, mas pode proteger um nome de figurar como pária na multidão.

Claudio Carvalho – Psicanalista, analista-membro e vice-presidente da Associação de Psicanálise da Bahia – APBa, autor do livro O Educador e o Psicanalista: Um Diálogo do Cotidiano e articulista-colaborador de A Tarde.

ccarvalho19_23@hotmail.com


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