Em conversa com Damário Dacruz, no Pouso da Palavra, escutei do nosso poeta ausente que foi de um poema numa campanha publicitária para uma escola de Salvador que germinou a possibilidade em realizar o sonho de ofertar uma casa de cultura à cidade de Cachoeira e à Bahia. Damário pensava grande e desejava perfazer um total de dezenove rebentos. Não perguntei por que dezenove e não terei mais a possibilidade de obter a resposta.
A poesia foi inventada exatamente para isso: diante da falta de respostas, cotejamos as palavras em combinações para tangenciar o indizível. Ao me despedir e voltar para Salvador, não imaginava que o amigo poeta num alvorecer próximo sairia de cena com seu último verso.
Nascer é quase um milagre; morrer é a certeza esquecida. E é no intervalo entre a chegada e a hora incerta de sairmos de cena que, olvidados, inventamos a narrativa de nossas vidas. A cultura é o depósito de narrativas dos que feneceram. Por isso, todas as vezes em que formos discutir a melhor forma de manejar esse tesouro, temos a obrigação de respeitar a memória dos nossos mortos, sob pena de nos parecermos mesquinhos, menores do que somos e nos avizinharmos demais da vulgaridade.
Penso nessas coisas quando estou diante de discursos burocráticos a questionarem as cifras empregadas em educação e cultura; da falta de dinheiro para remunerar dignamente os professores às suspeições frente a iniciativas fomentadoras da criação artística. Exemplo recente foi a forma vulgar e maledicente com que parte da imprensa noticiou a autorização do Ministério da Cultura para captação de recursos, via Lei Rouanet, com a finalidade de criar um blog, idealizado por Maria Bethânia, para disseminar poesia.
A sofisticação singela da artista ao entoar as palavras é o avesso da indigência cultural dos promotores da opinião publicada ao tentar confundir a opinião pública. Cotejando as palavras em combinações bárbaras, esses “velhos bárbaros” precipitam respostas falsas a questões mal formuladas – e sem querer, atestam que o mundo precisa de poesia, escorrendo da boca de Maria Bethânia.
Cláudio Carvalho - Coordenador do Fórum de Psicanálise e Sociedade da APBa e Coordenador do DIÁLOGOS CONTEMPORÂNEOS NO MAM
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