terça-feira, 3 de maio de 2011

Uma Coroa de Flores a Menos

Wellington Menezes de Oliveira chocou o Brasil ao entrar em uma escola – a escola onde havia estudado – fortemente armado e atirar contra os alunos matando ao menos doze e ferindo muitos outros. A forma como premeditou o crime e agiu desnorteia as pessoas, que buscam respostas. Essas, então, não tardam a chegar.
Foram ouvidos os “especialistas”, uma categoria aparentemente necessária nos dias de hoje para aplacar a angústia neurótica pela via científica, e eles logo cumprem sua tarefa afirmando que Wellington é de uma outra “natureza”. Um psiquiatra afirmou na televisão que esse tipo de comportamento não sofre nenhuma influência dos fatos que ocorrem na vida do indivíduo, pois é inerente ao seu organismo. Outra médica lembrou que a mãe do atirador era esquizofrênica...

UFA! Dito isso, nós, os normais, nos livramos de toda implicação com o fato e podemos desfilar nosso rosário de lamentações, indignação e honras aos heróis que ajudaram a evitar uma catástrofe ainda maior.
Parece óbvio que, no convívio social, atos como esse realmente fogem ao esperado e devem ser objeto de reflexão para que os evitemos na medida do possível... A questão, porém, é que a reflexão que estamos fazendo dessas ocorrências – cada vez mais numerosas e bárbaras - é bastante equivocada.

Equivocada justamente porque separa em absoluto pessoas como Wellington das demais.  Então, nada mais cabe a não ser sepultar os mortos, cuidar dos feridos, execrar o assassino e estampar na mídia todos os detalhes mórbidos da ação. Imagens e depoimentos que consumimos durante dias, semanas, até que outro crime, acidente ou escândalo ocupe os noticiários e nossas atenções... por que, se isto nos causa tanto nojo e repúdio? Será que não é de outra coisa também que se trata? Se somos tão diferentes de Wellington, por que essa atração?

Alguns dias atrás, um conhecido relatava-me um discurso de um dono de escola em uma reunião com os pais de alunos, alertando estes que não matriculassem em sua instituição os “seus filhos problemáticos”, pois ali não era lugar para eles. Afinal, ele tem de cumprir metas de aprovação para depois estampar, ao estilo Big Brother que tanto está em moda, as fotos de seus alunos que passarem nas primeiras colocações dos principais vestibulares. O detalhe: este meu conhecido, que é pai, concordava com o “mestre”, afinal não cabe à escola assumir a responsabilidade dos pais.

Repliquei que realmente não é esta a tarefa da escola e que muitos, MUITOS pais hoje esquivam-se mesmo de suas funções e enxergam a escola como um lugar para dar aos seus filhos aquilo que eles não oferecem. Mas a escola também não pode eximir-se de suas responsabilidades, que vão muito além de apenas depositar informações, na ilusão de que daí advirá o saber.

Afinal este dono de escola é um educador ou apenas mais um capitalista pensando meramente em seus resultados? E o que será dos seus alunos que, à custa de uma padronização de comportamentos para a obtenção de resultados, são compelidos a mascararem suas individualidades? E a não convivência com os “problemáticos” será realmente positiva para os futuros doutores/sujeitos?

O que este exemplo tem a ver com o caso Wellington? Muitos outros poderiam servir de ilustração, mas escolhi este porque o discurso emerge do seio de uma escola, o mesmo cenário escolhido por Wellington, um “problemático” cujos colegas abusaram dos apelidos, da zombaria, de achá-lo estranho e excessivamente tímido... algo muito parecido com a segregação imposta pelo diretor da escola no caso acima.  Muito parecido também com os dramas vividos por autores de chacinas semelhantes ocorridas principalmente nos Estados Unidos, país, aliás, onde não deve ser difícil escutar um diretor com discurso de mesmo estilo e conteúdo...

Por que cada vez mais surgem Wellingtons, Alexandres Nardoni, Suzanes von Richthofen, sabendo que os casos que chegam até a mídia são apenas a ponta de um enorme iceberg? Se a causa, como sugeriu o psiquiatra, fosse fisiológica, o que estaria acontecendo, uma mutação da espécie humana?

Autores psicanalistas, como Charles Melman e Jean Pierre Lebrun vem, há algum tempo, alertando que, nos sintomas sociais modernos, a função paterna encontra-se enfraquecida, o que  favorece uma estruturação subjetiva cada vez mais tendente às psicoses e à perversão. E quando se fala de função paterna, não é somente do pai biológico ou presente em casa de que se trata, mas de todos os referenciais masculinos presentes na sociedade. Uma escola que abandona uma postura de comprometimento com a educação em nome de interesses comerciais é uma boa ilustração desse novo pai.

É de se destacar o seguinte trecho da carta deixado por Wellington: “Se possível, quero ser sepultado ao lado da sepultura onde minha mãe dorme.” Até depois da morte, Wellington quer ficar agarrado à sua mãe, que para ele nem está morta, apenas  dormindo. Será que não faltou ali um terceiro que, através do discurso simbólico, fizesse intervenção no real, barrando essa relação e possibilitando o deslize do desejo?  Algo que seria absolutamente de outra ordem que não sua mãe, supostamente esquizofrênica, ter-lhe transmitido uma herança genética maldita. Pura especulação de uma ciência que sofre do mesmo sintoma social moderno, qual seja, a impossibilidade de lidar com a frustração. Neste caso, a frustração de não ter uma resposta.

Um dia depois da invasão, doze crianças estavam mortas, não obstante aquelas que ainda se encontravam nos hospitais, algumas em estado grave. Uma ONG que luta pela paz no Rio de Janeiro colocou doze coroas de flores no muro da escola. Nem a ONG, nem ninguém, colocou uma coroa de flores para Wellington, porque na verdade não queremos entendê-lo e nem implicarmo-nos com sua atitude. Queremos apenas endemonizá-lo, em uma vã tentativa de expulsar os nossos próprios demônios inconscientes.

Maurício Martins -  Psicanalista e coordenador do "Grupo I: Primeira Tópica", oferecido pela APBa às sextas-feiras.

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